Cinebiografias não são novidade, mas desde o lançamento de Bohemian Rhapsody em 2018, vencedor de 4 prêmios Oscar, parece que Hollywood tem visto uma proliferação de filmes biográficos que seguem a mesma fórmula: a promessa de ver um ídolo da música sendo interpretado na telona, com a garantia de uma trilha sonora que os fãs irão gostar. É algo que raramente falha na arrecadação de bilheteria, apesar da abordagem formulaica que sempre é utilizada.
A Complete Unknown é uma biografia sobre a vida do astro Bob Dylan, interpretado por Timothée Chalamet e dirigido por James Mangold. Um Dylan desconhecido de 19 anos chega à cidade de Nova York, nos anos 60, com seu violão e cria relacionamentos com ícones da música em sua ascensão meteórica, culminando em sua performance inovadora de rock and roll elétrico no Festival Folclórico de Newport em 1965, definindo um dos momentos mais transformadores da música do século XX.
Chalamet nos presenteia com a melhor atuação da sua carreira e, além de atuar, ele mesmo canta as músicas no longa. Dylan é apresentado exatamente como o título do filme sugere: um homem desconhecido, misterioso, com um passado incerto e sentimentos escondidos. Sem sermos apresentados às motivações ou sentimentos do protagonista, cabe ao ator nos ajudar a desvendar (ou apenas apreciar) o talento e os pensamentos de um enigma humano.
À medida que o protagonista vai alcançando a fama, vemos o desenrolar de alguns de seus relacionamentos amorosos. De um lado, temos Sylvie Russo, interpretada por Elle Fanning, que está meio apagada e não vive à altura da expectativa da musa que Dylan descreveu diversas vezes como 'uma força da natureza'. Ainda assim, é expressada de forma clara a importância que ela teve na vida do músico e a influência dela em seu trabalho.
Joan Baez é um caso diferente, artista de sucesso que performou com Dylan em diferentes momentos de sua carreira. Monica Barbaro traz uma Joan com mais profundidade que outros personagens coadjuvantes, mas que ainda assim tem muita dificuldade em lidar com a complexidade do protagonista e não é capaz de manter uma relação saudável com alguém tão instável.
Para os fãs da música americana dos anos 60, também temos no filme Pete Seeger (Edward Norton), Dave Van Ronk (Joe Tippett), Johnny Cash (Boyd Holbrook) e Bobby Neuwirth (Will Harrison). Todos têm participação direta na vida de Bob Dylan, apesar de aqui esses momentos serem apresentados de forma às vezes caricata.
O diretor faz o melhor trabalho técnico de cinebiografias em anos. A Nova York da década de 60 é espetacular, seja pelos cenários, roupas ou carros na rua, é um grande esforço de design de produção. Aqui, ele também precisa lidar com um dos problemas mais comuns de biografias recentes: a interferência criativa. Com Dylan ainda vivo e tendo acesso ao roteiro do filme antes do início das gravações, tendo pedido por mudanças na história, fica difícil saber o que foi escondido por vontade do diretor, ou o que as pessoas envolvidas simplesmente não quiseram contar. Apesar disso, somos apresentados a várias referências visuais e situacionais que tentam inferir de forma indireta o que está nas entrelinhas de muitas das subtramas que acabam sendo mal resolvidas.
O longa também evita o que já se tornou clichê em filmes do mesmo gênero de constantemente estar mostrando na tela datas e nomes de lugares, como se estivéssemos assistindo a um documentário ou lendo um artigo da Wikipédia. Ao invés disso, nós acompanhamos a passagem do tempo através de noticiários de rádio, jornais e eventos políticos da época. Pode ser uma forma menos precisa de contar fatos, mas a verdade é que o filme não está preocupado em contar a história de forma factual.
Em linhas gerais, bastam poucas pesquisas online para entender que os acontecimentos do filme são uma dramatização exagerada de eventos da carreira do músico para tentar ilustrar o impacto de uma vida em uma história de 2 horas de duração. O objetivo é transmitir ao espectador o impacto que essa figura teve no mundo da música e, independente de possuir conhecimento prévio sobre a carreira de Bob Dylan, quem for ao cinema com certeza vai deixar a sala com o sentimento de respeito pelo legado que ele está deixando no mundo.
Com uma atuação impressionante e digna de indicação ao Oscar para Timothée Chalamet, um trabalho impecável de direção e design de produção, A Complete Unknown é uma das poucas cinebiografias da última década que parece ter um propósito além de conseguir o dinheiro dos fãs do artista, contribuindo para preservar a memória e honra de um dos maiores músicos das últimas décadas.
Nota: 8/10