Coração de Lutador é um drama biográfico esportivo com direção, roteiro e edição de Benny Safdie, que já havia alcançado mais relevância quando trabalhou na produção do filme Joias Brutas (2019). Em mais uma parceria com a produtora A24, o filme estreou no Festival de Veneza em setembro de 2025 e venceu o prêmio de melhor direção.
O filme é estrelado por Dwayne “The Rock” Johnson no papel de Mark Kerr, um dos principais pioneiros das Artes Marciais Mistas e membro do Hall da Fama do UFC. Apesar de ainda ser cedo, o ator já parece estar em campanha para a temporada de premiações, e a abordagem do longa, de focar menos no espetáculo e mais na dor pessoal e nos dilemas humanos, parece preencher a cartilha de favorecimento para os principais prêmios norte-americanos.
Coração de Lutador acompanha a ascensão e a queda de Mark Kerr, um dos primeiros grandes ídolos do MMA, conhecido por sua força bruta e estilo agressivo. Nos bastidores da fama, porém, Kerr enfrenta uma rotina de dor física, dependência de analgésicos e um relacionamento conturbado com Dawn Staples (Emily Blunt). Enquanto tenta manter o corpo e a mente em funcionamento, ele precisa lidar com a solidão e a pressão de um esporte que o transforma em espetáculo ao mesmo tempo em que o destrói por dentro.
Safdie, como principal força criativa por trás do longa, traz bastante valor para a produção. O trabalho de design de produção é espetacular, com claras referências ao impacto do Brasil na modalidade, o uso da marca Bad Boy (por muito tempo símbolo do vestuário no meio) e a fotografia com câmeras de 16mm, que contribuem para uma textura visual nostálgica e tiram proveito da riqueza de detalhes de todas as cenas.
Também é feito um trabalho de revisão histórica competente ao mostrar como, na época, o dinheiro era bem mais escasso no meio das Artes Marciais. Mark Kerr, como uma das personalidades mais famosas, tinha uma boa estabilidade financeira que o filme não omite, mas ainda assim precisava continuar lutando para garantir seu sustento. Os valores que negociava eram muito menores do que os lutadores de MMA podem alcançar atualmente.
Existe uma decisão interessante de acompanhar um período de apenas quatro anos da vida do lutador, aparentemente após seu auge. O trabalho narrativo de estabelecer as conquistas e histórias de Kerr é eficiente e evita o caso de filmes “Wikipedia”, que parecem apenas encenar os principais eventos da vida de uma estrela ao longo dos anos. Ainda assim, a escolha de qual período adaptar parece um tanto questionável.
The Rock traz uma atuação bem diferente da que estamos acostumados a ver. Com muito mais comprometimento em reproduzir a personalidade de Kerr e menos em exibir seu próprio carisma, ele se transforma em uma figura que, em muitos momentos, quase nos faz esquecer que estamos assistindo ao mesmo ator de longas como Jumanji (2017) e da franquia Velozes e Furiosos. Outro fator que ajuda é o trabalho de maquiagem, que já desponta como forte candidato ao Oscar de 2026. No entanto, há um momento que chega a provocar risadas não intencionais — de constrangimento — quando o protagonista corta o cabelo e, por alguns instantes, parece que Mark Kerr sai de cena e The Rock volta.
Já o que o filme tem de qualidade visual, falta capricho no roteiro. O relacionamento do protagonista com Dawn Staples e sua amizade com o lutador e treinador Mark Coleman (Ryan Bader) são mal desenvolvidos, e os coadjuvantes não têm espaço para brilhar, o que vai na contramão da proposta de trazer um drama mais emocional do que esportivo. Além disso, a luta do personagem contra o vício em opioides também deixa a desejar, com uma trajetória linear e que parece se resolver sem grandes desafios.
Coração de Lutador é mais uma biografia que foge dos padrões das produções pós-Bohemian Rhapsody (2018), trazendo uma abordagem mais interessante e menos contida sobre como honrar a história de uma vida. Com uma atuação de The Rock que surpreende na maior parte do tempo, mas deixa a desejar nos momentos mais dramáticos, o filme entrega muitos visuais e pouca substância. Ainda assim, consegue honrar a história do esporte e nos trazer um retrato sobre o custo de transformar dor em espetáculo.
Nota: 6/10