Homem com H
Desde o sucesso de Bohemian Rhapsody (2018), Hollywood parece ter se transformado em uma fábrica de biografias musicais genéricas. Ano após ano, surgem filmes que tentam capturar a magia das personalidades icônicas da música, mas acabam se limitando a versões idealizadas e pouco autênticas.
Em meio a essa onda de produções pouco inspiradas, o cinema internacional começa a trilhar um caminho diferente e mais original. O Brasil, que está em alta e ganhando cada vez mais reconhecimento global, se une a esse movimento com Homem com H – um filme que não apenas homenageia um ídolo, mas o retrata com honestidade.
A trama percorre diferentes fases da vida de Ney Matogrosso, desde sua infância humilde e sua conexão profunda com a natureza até sua trajetória revolucionária na música brasileira. O filme acompanha sua libertação da opressão e das figuras autoritárias, mostrando como ele desafiou preconceitos e se tornou um dos artistas mais influentes de sua geração. Desde o impacto estrondoso com o grupo Secos & Molhados nos anos 1970 até sua bem-sucedida carreira solo, Ney construiu uma identidade artística inconfundível, marcada pela ousadia, resistência e versatilidade.
A interpretação de Jesuíta Barbosa é, sem dúvida, uma das melhores do ano – talvez até uma das melhores já vistas no gênero. A suspensão de descrença é essencial para o aproveitamento de qualquer obra audiovisual, e ele nos convence plenamente de que estamos vendo o próprio Ney Matogrosso em cena. Seu desempenho capta toda a personalidade e ousadia do cantor, criando uma experiência imersiva que qualquer fã sonharia em testemunhar de perto.
A direção de Esmir Filho, aliada ao primoroso design de produção, transporta o espectador para o passado e recria com precisão as diferentes épocas da vida do artista. Apesar do cuidado visual, um detalhe desnecessário incomoda: a insistência em exibir o ano dos acontecimentos na tela. Embora seja um filme baseado em fatos reais, ainda é uma obra de ficção, e a maioria dos diálogos e cenas jamais ocorreu exatamente como retratado. O próprio design de produção e as contextualizações presentes nos diálogos já são suficientes para situar o espectador, sem a necessidade de marcações temporais explícitas.
O grande mérito do filme, no entanto, não está apenas na reconstrução dos momentos históricos da carreira de Ney, mas na forma como ele apresenta o homem por trás da maquiagem e dos figurinos marcantes. Afinal, quem quer conhecer sua trajetória artística pode recorrer a páginas como Wikipedia e vídeos disponíveis no YouTube. Já entender a essência de Ney de Souza Pereira exige um trabalho muito mais delicado – e Homem com H entrega uma abordagem honesta e humana, explorando seus relacionamentos, traumas e desafios.
Biografias raramente conseguem capturar a vulnerabilidade de seus protagonistas. Quando vivos, poucos querem ser retratados com seus defeitos; quando falecem, a interferência de familiares na versão final do roteiro e da edição dificulta um retrato mais autêntico. No caso de Ney Matogrosso, essa barreira não existe. Ele nunca teve medo da honestidade e da transparência, permitindo que o filme não apenas engrandeça sua trajetória, mas também reafirme sua aura como artista atemporal.
Homem com H é uma biografia que ousa ser verdadeira. Repleta de momentos emocionantes, nos ajuda a entender não apenas a vida e os desafios de um dos maiores ídolos da música brasileira, mas também a complexidade da humanidade e o impacto da arte na forma como enxergamos a nós mesmos e nossas relações.
Nota: 9/10